segunda-feira, 26 de janeiro de 2009



"...
(não sei se gosto de ti Maria Adelaide, não devo gostar, era o meu irmão quem gostava, olha as gaivotas para aqui e para ali e um prato a quebrar-se no chão, por que motivo não ficaram os dois na herdade pisando o trigo seco, felizes?)
a Trafaria arbustos dunas silêncio, o que restava do pontão mais adivinhado que visto pelos reflexos da água, a prima Hortelinda a chamar-me
- Tu
a prevenir
- Olha que não podes afogar-te porque não constas do livro
à medida que eu ultrapassava o que me pareceu um balde, um rolo de cordas que desviei sem dar fé e como não consto do livro
(a prima Hortelinda
- Quantas vezes é preciso dizer que não constas do livro?)
agaichei-me de bochechas nas palmas a pensar
- Daqui a nada é manhã
e não será manhã nunca."


António Lobo Antunes, O Arquipélago da Insónia (edição ne varietur)

1 comentário:

Unknown disse...

O Lobo Antunes é o cordão umbilical à infância, às reminescências..à nossa casa. Uma viagem à memória, por vezes, nem sempre fácil...