terça-feira, 5 de junho de 2007

TRANSCREVO POR SER TÃO [MUITO] AZUL
"Nunca digo que gosto de ti…
Mas gosto das coisas que existem porque tu mas mostraste e das que só moram em ti, e que são tão altas como a vida. Como te consomes, por tanto consumires o mundo e de como lhe reinventas os contornos da lucidez num volteio de pálpebras. Gestos casuais, onde te escondes, porém tão imaginados. Gosto até mesmo dos imprevistos e dos sem medida e sem comparação. Os teus pequenos nada, que são os meus grandes tudo. É que vives no meu azul, na minha canção e nas minhas danças, por isso, até gosto de sentir a tua falta aqui e no fim do mundo e de te encontrar em todos os segundos dolentes que me atravessam. De precisar sempre e cada vez mais de ti.
Gosto das tuas linhas rabiscadas, rebuscadas, arredondas e apagadas nas janelas que abres para dentro de mim. De saber as tuas deixas ainda mesmo quando as enrolas entre os dedos, debaixo da língua e só as casas no peito. É então que me perco e aninho nas sílabas gotejadas pela minha boca, que tem sempre o não te saber dizer, tudo aquilo que te digo do outro lado da porta fechada, onde me acordo em mãos cheias de palavras.
Gosto da história assente nas rugas que pões a saltar em vinte e cinco folhas amarelecidas, na esperança que isso se traduza num conto mais digno de tais linhas, enquanto eu, espero as novas páginas onde tenho escrito o meu nome. O meu fio a pavio, que sabes de cor e salteado, que gostas e que queres, mesmo cheio de nós e de enleios.
Gosto de não gostares que eu viva agarrada às estradas tatuadas nas minhas costas e esperares que as abra radiantes no meu peito. Assim como aguardas que me parta, que me dispa, que me desmascare até aos limites infinitos da previsibilidade. De mim só queres tudo. Mesmo quando me viras a cara, fazes que não me vês, me mandas embora, me chamas de parva, ris do meu umbigo e desdenhas até me levar ao desespero. Tropeço em mim mesma, fico feita num oito, parto-me em quatro, porque me encostas à parede mesmo que não saibas que o fazes, sabendo sempre o que fazes. Acho que me tens viva na tua mão, essa, onde te escrevo e me entrego, essa que juras que não me vai deixar cair.
Gosto da tua voz nos intervalos do silêncio, que seja a única que oiço sobre as alheias, anónimas, dos lugares em volta, dos lugares em mim. Dos olá, dos bom dia, boa tarde ou boa noite, que nunca dizemos, mas que sabemos que existem e transformam surpreendentemente, mesmo a mais triste realidade em algo melhor. Que tires das minhas palavras coisas que não são para dizer, nem para ouvir. Saber que para ti existo antes e depois das dores imensas, que doem imensamente, é ter a certeza que as feridas um dia desaparecerão saradas.
E gosto do teu ar confiante, inseguro, cansado, apalhaçado, tímido e adocicado. Quando fazes tudo para me fazer rir, chorar e apaixonar. Quando me deixas sem fôlego e sem saber de mim. Quando me acordas ou quando me vens deitar e dar beijos; dos escritos, descritos, ditos, dados, dançados, abraçados, chorados, obrigatórios, inevitáveis, necessários, por dar.
Era um dia, um lugar, um acidente e ambos fingimos que não sabíamos. Era uma distância tão ínfima que nos tentei matar e hoje sei que sempre que o fizer, viverás sempre mais."
ANA

2 comentários:

magarça disse...

Azul forte, muito forte... de quem é o texto?

Sílvia Alves disse...

o texto é da Ana da Tarte! "tarte de rabanete" procura em "a minha casa e o meu armário" ou clica em ANA [azul]...