terça-feira, 26 de junho de 2007
domingo, 24 de junho de 2007
["São as pessoas que habitualmente me cercam, são as almas que,
desconhecendo-me, todos os dias me conhecem com o convívio e a fala, que
me põem na garganta do espírito o nó salivar do desgosto físico. É a sordidez
monótona da sua vida, paralela à exterioridade da minha, é a sua
consciência íntima de serem meus semelhantes, que me veste o traje de
forçado, me dá a cela de penitenciário, me faz apócrifo e mendigo."]
segunda-feira, 18 de junho de 2007
sexta-feira, 15 de junho de 2007
terça-feira, 12 de junho de 2007
sexta-feira, 8 de junho de 2007
Era uma vez...
Era tão verde que quase parecia uma sopa verde. Nunca tinha visto uma cor tão indefinida. Hoje seria cinza escuro. Uma sopa cinza feita das cinzas dos teus cigarros seria espantosa.
A mulher da tabacaria da esquina que vendia revistas, flores e molhos de couves teria ficado bastante contente se não a tivesses trocado pelo Sr. Joaquim da sapataria a quem compraste os dez quilos de maçã reineta que estavam em promoção. Ele sabia que Converse era a tua marca preferida.
Anunciei com um enorme prazer a minha chegada. Sentei-me à mesa e o frio passava-me por trás das costas. Enrolei-me na manta da lã churra da única ovelha que ainda nos pertencia. Tu, de cabelo aprumado e trajado de festa, usavas as amarelas. Ficavam-te bem nos pés. Pintei-te, assim de memória, na tua posição de sempre enquanto fumavas e tomavas a tua caneca de café quente. A marca sempre te preocupou. Era Converse a que mais gostavas. Mas havia outras: Delta – horas e horas a olhar para ti a olhares para o castanho muito escuro, ainda no fundo da caneca, mas já frio. Na frente uma sopa verde e muito quente já passada em forma de puré, sem pingo de azeite, embora o azeite fosse verde.
Serviste-me devagar enquanto eu entoava uma canção. Dizias que eu cantava bem. Eras bem-humorado.
A minha bicicleta estava na cozinha ao meu lado, mas ao contrário da sopa, era cor-de-rosa – cor que a sopa nunca poderia ter. Didiapondas estava sentado no selim da bicicleta e olhava intrigado. Fazia sempre gestos estranhos quando te via. “É amoroso!” dizias tu enquanto cuspias o pedaço de batata que tinhas encontrado no pudim. Fizeste-o tão violentamente que ficou esborrachado no vidro da porta ao fundo do corredor. O pudim era de cozido à portuguesa, bem como o gelado, que tinhas a mania de comprar só para me chatear. Mas eu bricava contigo: fazia as malas e partia com todas as embalagens presas por um fio, preso à minha mala. Assim, iam escada a baixo e rua a baixo a tilintar. E tu, vestido com uma t-shirt de manga curta sobre as minhas calças à boca-de-sino que tinhas a mania de usar, corrias desalmado atrás de mim para que pelo menos te deixasse os pudins. Didiapondas ficava em cima da bicicleta como garantia de que eu ia voltar. Garantia essa que tu nunca entendeste. Depois de darmos algumas voltas ao quarteirão entravamos em casa esbaforidos. Sentávamo-nos de novo à mesa e riamos ainda do estranho e raro acontecimento. Começávamos a deixar recados no papel que havia no meio da mesa, tentando cada um escrever as frases viradas para o outro. Já estávamos com fome. Já tínhamos feito o ritual de preliminares e estávamos prontos. Bem no ponto! Perguntavas sempre primeiro se eu queria e eu respondia sempre: “Quero se tu quiseres.” Sorrias e servias-me o valente prato de sopa e para ti punhas a mesma quantidade, sempre igual, sempre bem dividido.
Olhaste-me e disseste: “Hoje a sopa é diferente”. Eu provei e acusei de imediato um leve travo amargo mas de seguida o gosto a verde e depois não sei o quê de doçura (aqui, talvez estivesse o açúcar das tuas mãos). Era divinal. E até hoje não sei o que tinha aquela sopa. Didiapondas, embora não gostasse de ti e talvez nunca viesse a gostar, jamais mo disse. Apesar de ser o meu fiel verme de companhia não seria capaz de delatar fosse quem fosse. Assim, chamei à sopa o meu nome : sopa de maçã reineta.
quarta-feira, 6 de junho de 2007
terça-feira, 5 de junho de 2007
Mas gosto das coisas que existem porque tu mas mostraste e das que só moram em ti, e que são tão altas como a vida. Como te consomes, por tanto consumires o mundo e de como lhe reinventas os contornos da lucidez num volteio de pálpebras. Gestos casuais, onde te escondes, porém tão imaginados. Gosto até mesmo dos imprevistos e dos sem medida e sem comparação. Os teus pequenos nada, que são os meus grandes tudo. É que vives no meu azul, na minha canção e nas minhas danças, por isso, até gosto de sentir a tua falta aqui e no fim do mundo e de te encontrar em todos os segundos dolentes que me atravessam. De precisar sempre e cada vez mais de ti.
Gosto das tuas linhas rabiscadas, rebuscadas, arredondas e apagadas nas janelas que abres para dentro de mim. De saber as tuas deixas ainda mesmo quando as enrolas entre os dedos, debaixo da língua e só as casas no peito. É então que me perco e aninho nas sílabas gotejadas pela minha boca, que tem sempre o não te saber dizer, tudo aquilo que te digo do outro lado da porta fechada, onde me acordo em mãos cheias de palavras.
Gosto da história assente nas rugas que pões a saltar em vinte e cinco folhas amarelecidas, na esperança que isso se traduza num conto mais digno de tais linhas, enquanto eu, espero as novas páginas onde tenho escrito o meu nome. O meu fio a pavio, que sabes de cor e salteado, que gostas e que queres, mesmo cheio de nós e de enleios.
Gosto de não gostares que eu viva agarrada às estradas tatuadas nas minhas costas e esperares que as abra radiantes no meu peito. Assim como aguardas que me parta, que me dispa, que me desmascare até aos limites infinitos da previsibilidade. De mim só queres tudo. Mesmo quando me viras a cara, fazes que não me vês, me mandas embora, me chamas de parva, ris do meu umbigo e desdenhas até me levar ao desespero. Tropeço em mim mesma, fico feita num oito, parto-me em quatro, porque me encostas à parede mesmo que não saibas que o fazes, sabendo sempre o que fazes. Acho que me tens viva na tua mão, essa, onde te escrevo e me entrego, essa que juras que não me vai deixar cair.
Gosto da tua voz nos intervalos do silêncio, que seja a única que oiço sobre as alheias, anónimas, dos lugares em volta, dos lugares em mim. Dos olá, dos bom dia, boa tarde ou boa noite, que nunca dizemos, mas que sabemos que existem e transformam surpreendentemente, mesmo a mais triste realidade em algo melhor. Que tires das minhas palavras coisas que não são para dizer, nem para ouvir. Saber que para ti existo antes e depois das dores imensas, que doem imensamente, é ter a certeza que as feridas um dia desaparecerão saradas.
E gosto do teu ar confiante, inseguro, cansado, apalhaçado, tímido e adocicado. Quando fazes tudo para me fazer rir, chorar e apaixonar. Quando me deixas sem fôlego e sem saber de mim. Quando me acordas ou quando me vens deitar e dar beijos; dos escritos, descritos, ditos, dados, dançados, abraçados, chorados, obrigatórios, inevitáveis, necessários, por dar.
Era um dia, um lugar, um acidente e ambos fingimos que não sabíamos. Era uma distância tão ínfima que nos tentei matar e hoje sei que sempre que o fizer, viverás sempre mais." ANA