não voltarás a sentar-te onde me sento agora, na cadeira
a mesma cadeira, como quem joga os mesmos números a confiar na sorte
o olhar poisava nos telhados dos velhos armazéns atravessados pelo tempo
agora quintais envelhecidos pelo mesmo tempo
já sem tanques pintados de amarelo, já sem roupa, sem cigarros, sem horas tardias e sem
a gaze do fundo
sem o pano de boca
e as palavras mergulhadas em éter para não perderem a forma
e o formol injectado no coração da gaivota e ela a fechar os olhos devagar, a perder a força
já não me abres a porta e as malas para voltar a fechar e pôr tudo no lugar
o lugar vazio onde me sento sem força a fechar os olhos devagar
a Mimi foi embora para outro quintal à procura da morte
e tu a perguntares pelas máscaras, pela Maria que odiava a mãe e boiava sem vida num bocado de rio
tocas para mim no piano da tua avó o silêncio ermo
tinhas os dedos de criança e com eles escrevias os restolhos das cabras e da noite
o asfalto tem fome de ternura
não voltarei a cair em tentação
3 comentários:
Tão bonito!!!... E, sabes?, não sei se quero ter retorno.....
é.....as histórias não se repetem.....e ainda bem!
Porque sinto teu coração apertado?
Ou escreves como um actor em cena?
Para ti, ó ilustre desconhecida, que um dia conheci:
"E eu perguntei a mim mesmo: após tantos começos... poderá haver outro?
E depois acordei e era agora.
Agora.
E agora é tudo o que temos.
Agora - e agora outra vez e nada mais."
"O Peregrino", Timothy Findley
blu (ainda...)
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