sábado, 22 de janeiro de 2011

e o menino ficou e o demónio também
na força das coisas que nunca foram coisas mas a que sempre chamei “coisas”
aquilo que me perturbava e que nunca passou de um longo e temeroso adeus
desde o princípio
desde o asfalto na auto-estrada onde as horas demoravam a passar
desde o breve momento em que os olhos se cruzaram e a voz segredou “bom dia”
Eram buracos na garganta por onde passavam lamentos em forma de véu e calma da praia negra onde o mar abeirava a pele – eram as mãos sobre as minhas com um pedido soturno de quem não tem onde poisar a cabeça.

- Eu seguro-te quando estiveres mais perto do chão, se ainda me restarem as forças e

“se ainda quiseres poderemos revisitar a Normandia” escrito a spray no muro alto, ao cimo da rua. Já não sobra nem um pedaço do muro, nem um pedaço da memória para construir o muro e escrever nele a esperança.

- Se ainda quiseres poderemos reerguer o muro e escrever nele a esperança. “se ainda quiseres” é a certeza incondicional de que nunca quiseste.

depositava em mim toda a confiança para se deixar cair do alto do muro onde nunca se escreveu nenhuma esperança.
e eu a mãe. eu a agasalhar no ventre a fome do outro. eu a salpicar de açúcar o amargo da existência – do outro. eu a ficar mais frágil, mais neutra, mais insalubre. o oxigénio a faltar e o muro na minha frente, construído sem mácula, sem graffiti, sem desejo. eu não a mãe, a débil filha, a frágil criatura, sem rumo, sem muro, sem lágrimas, sem pejo, a pedir de joelhos a misericórdia, a afastar o barco do cais. a navegar sozinha, a engolir em seco a súplica e os artelhos a tentarem aguentar o corpo, reerguerem o corpo onde nunca se escreveu a esperança, onde a mácula era de sangue e o torpor se instalava.

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