sexta-feira, 17 de abril de 2009

Não voltes a dizer a fome, até porque a língua te atrapalha.



Desliza as mãos pelos ombros depois de te demorares na nuca e nunca digas que entardeceu. As memórias estalam assim que vazias, como o plástico pobre estala pela acção do sol. Disseram-me que te perdeste em dedilhos de guitarra e em juras mais a norte. Vais ficar aqui, onde te coloco para seres feliz e não vais enterrar os dedos na cavidade da minha nuca. A nossa distância ficou a dois passos e tocámo-nos duas ou três vezes com a ponta dos dedos numa noite inquieta. Quatro cigarros e o bastante para me pores a andar. O bastante já era nada: dois desequilíbrios na casa velha, por entre as paredes cobertas de areia seca e tempo, e o soalho podre por onde o mesmo tempo jurava passar. As mesmas juras do teu norte pelos dedilhos de guitarra. E já não a tua, a guitarra que não era guitarra e que eram dedos enterrados na minha nuca. Ensopámos a memória com formas caprichosas cinzeladas na madeira e afastámos a distância de dois passos para calcular o tempo das palmeiras.
Entre nós, um balouçar de três dedos e a lâmina da navalha.

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