A Zilda, a sair do carro, gorda, a pegar nos sacos , na carteira preta. A Zilda a chamar o cão
- Geraldo, não fujas!
a gritar e a rua toda a ouvir. A tirar as malas, os sacos e a poisar a carteira de empurrão sobre o ombro gordo e descaído. A Zilda tonta no desespero de chegar a casa. E o cão que não vinha, a atravessar a rua, contente por farejar o cheiro do que já lhe pertencia
- Geraldo, não fujas!
e as malas na mão e a gordura a escorregar pela testa do calor que fazia e a tarde a compor-se quente e vermelha e a Zilda , vermelha, a chamar
- Geraldo, não fujas!
e a chamar a vida e a encostar ao peito o que já lhe pertencia, a fechar com cuidado a mala do carro e a atravessar a rua com medo do cão e da rua e da tarde quente, vermelha, com a gordura a escorregar pela testa, a arrastar com ela os pertences e as malas e o cão e a entrar no portão a salvo como se a vida a deixasse para trás. A Zilda a fechar o portão na certeza de que nada ficava para trás.
domingo, 22 de agosto de 2010
segunda-feira, 15 de março de 2010
“9:46”
Erguer a cabeça
Devagar
A pálpebra cansada de um sono antigo
Duas ou três palavras vagas, na mudez, perscrutam o coração
O ritmo cardíaco marca o compasso e a espera com convicção e com uma tristeza rigorosa
O sono antigo esboroa-se num devaneio vivo
Varro as folhas mortas e amontoo-as com o cuidado de um deus - o vento não espalha montanhas
Nas mãos tenho a ausência das coisas
E na pele um lugar vazio
Olho o mesmo vazio, quieta,
E nele adivinho um sonho ténue
Devagar
A pálpebra cansada de um sono antigo
Duas ou três palavras vagas, na mudez, perscrutam o coração
O ritmo cardíaco marca o compasso e a espera com convicção e com uma tristeza rigorosa
O sono antigo esboroa-se num devaneio vivo
Varro as folhas mortas e amontoo-as com o cuidado de um deus - o vento não espalha montanhas
Nas mãos tenho a ausência das coisas
E na pele um lugar vazio
Olho o mesmo vazio, quieta,
E nele adivinho um sonho ténue